sexta-feira, setembro 12, 2025

TERCEIRO FILME DOWNTON ABBEY


DOWNTON ABBEY DE VOLTA PARA SE DESPEDIR

É raro que uma série de televisão consiga o que Downton Abbey conquistou. Criada por Julian Fellowes em 2010, a produção britânica parecia, à primeira vista, um drama de época sobre uma família aristocrática cheia de etiquetas e rapapés. Mas rapidamente tornou-se um fenômeno mundial: seis temporadas, 52 episódios exibidos em 250 países, mais de 120 milhões de espectadores, dois filmes para o cinema — e agora o terceiro, que estreia nesta quinta-feira, marcando a despedida definitiva da família Crawley e de sua criadagem. Para quem nunca viu: Downton Abbey se passa em Highclere Castle, um castelo de 300 cômodos no interior da Inglaterra, pertencente até hoje à família Carnarvon, que, claro, tratou de abri-lo aos turistas e montar uma lojinha de souvenirs. A série acompanha o cotidiano dos aristocráticos Crawley, mas também — e talvez sobretudo — de seus empregados, que vivem no andar de baixo. Ali, entre as paredes que separam luxo e trabalho braçal, a ficção revelou um microcosmo social em transformação, da queda do Titanic à Primeira Guerra, da gripe espanhola ao sufrágio feminino. Essa habilidade de entrelaçar grandes acontecimentos históricos com dramas familiares foi a fórmula de seu sucesso. Quem se lembrará da morte da caçula da família, Lady Sybil, sem se comover? Ou das ironias cortantes da Condessa Violet, imortalizadas por Maggie Smith? A cada episódio, era como espiar, com o mesmo fascínio, tanto a prataria do salão quanto as panelas das cozinheiras. O terceiro filme leva a trama aos anos 1930, década marcada por mudanças radicais: a crise econômica, a modernização dos costumes, a abdicação do rei Eduardo VIII para se casar com uma americana duas vezes divorciada. Não à toa, o enredo toca no tema do divórcio — ainda tabu — e em todas as tensões de uma sociedade que aprendia, a contragosto, a lidar com novos tempos. Enquanto isso, em Londres, outro espetáculo se desenrola: a casa de leilões Bonhams organiza a venda de 280 peças originais da série. É uma oportunidade rara de adquirir uma fatia desse imaginário: vestidos de noiva de Lady Mary e Lady Edith (avaliados em até R$ 35 mil), o icônico saruel de Lady Sybil inspirado em Paul Poiret e nos Balés Russos (outros R$ 35 mil), a bengala de Violet Crawley (cerca de R$ 5,5 mil), o painel de campainhas que marcava a vida entre empregados e senhores (até R$ 49 mil) e até mesmo o automóvel Sunbeam da família (estimado em R$ 240 mil). Objetos que não são apenas figurinos, mas testemunhos materiais de uma ficção que se confundiu com a História. E aqui está a beleza do fenômeno Downton Abbey: ele não é só nostalgia. Cem anos separam a Europa que assistia, perplexa, à ascensão do nazifascismo, e o mundo que hoje volta a flertar com extremismos. A série fala de conservadorismo, de preconceito contra mulheres e divorciadas, de elites divididas entre simpatizantes e opositores de regimes autoritários. Questões que, infelizmente, não ficaram na década de 1930. Se Downton Abbey termina, os dilemas que encenou permanecem. Talvez seja essa a razão pela qual nos apegamos tanto à ficção: porque, de algum modo, ela continua nos contando a vida real.

Fonte https://oglobo.globo.com/

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