AS MINHAS MEMÓRIAS NO TITANIC
Ao amanhecer de 11 de Abril, o navio avançava a toda a velocidade na direcção oposta ao sol. O comandante Smith ordenou que se fizessem várias provas de manobra sem que se observasse qualquer problema. O vento fresco e tonificante varreu do ar os últimos restos de névoa e abriu o largo horizonte em que começaram a perfilar-se as montanhas do sul da Irlanda.
Nesse dia, os promontórios que definem a baía tinham-se convertido em improvisadas escadarias apinhadas de público, pois milhares de pessoas acorreram de diferentes pontos da Irlanda para observar com os seus próprios olhos o gigante dos mares que avançava sobre a água azul com cintilamntes escamas de prata sobre o sol que já se fazia sentir. Saí do meu camarote cedo, tomei o pequeno-almoço no quarto e sai com a minha irmã para o convés, onde apanhei o elevador para o convés A. O navio ainda estava adormecido.
A minha irmã mais nova tinha um ano e para passar o tempo, eu empurrava-a no carrinho para a frente e para trás no convés A. Espreitava para a Sala da Palmeira e era a visão mais bela que já tinha tido. Era novo, totalmente novo. Eu ficava ali encantado com a beleza de tudo. O som das máquinas do navio não passava de um som abafado, mas perceptível devido ao silêncio que ainda permanecia no navio... estava sol, e uma leve brisa assobiou por todo o convés A fazendo cintilar os lustres de cristal da Sala da Palmeira.
Era uma grande novidade ir a bordo do maior navio de sempre. Não é exagero dizer que era fácil uma pessoa perder-se dentro do Titanic. Podiam andar-se quilómetros ao longo de cada convés e passagem, caminhando sempre por novos sítios. Era um navio magnífico e tinham a bordo a nata dos funcionários da White Star Line. O Bruce Ismay ia a bordo. Tinhamos a bordo o projectista bem como doze milionários e respectivas esposas. Toda a gente estava decidida a divertir-se. O meu pai surgiu mais o meu tio, os meus avós e juntamente com eles um passageiro convidado pela White Star Line a participar da viagem inaugural do Titanic até Queenstown, o Padre Francis Browne.
Às onze e trinta o transatlântico fundeou na baía de Queenstown, a cerca de duas milhas da costa.
Seguidamente aproximaram-se os dois barcos auxiliares, o America e o Ireland, pertencentes também à White Star Line. Uma vez mais as operações de embarque executaram-se com celeridade e eficácia. Entre os cerca de 123 passageiros, apenas três eram de primeira-classe, sete de segunda e 113 de terceira, na sua totalidade irlandeses emigrantes. 1385 sacos de correspondência embarcaram no Titanic com destino ao fundo do oceano. Os jornalistas locais foram convidados a visitar o navio, tal como tinham feito os seus colegas ingleses e franceses. Para se tornarem superiores à concorrência, a White Star Line confiava nas excelentes relações que conseguira estabelecer com os jornalistas dos diversos países onde operava, pois era sabido que a publicidade dos artigos na imprensa resultaria fundamentalmente para recuperar o enorme investimento aplicado na construção dos seus transatlânticos, o Olympic e o Titanic. Embora não estivesse previsto, durante a escala em Queenstown acercaram-se do navio várias embarcações carregadas de tecidos e caixotes irlandeses. Após solicitarem a devida autorização, apoveitando a escala na Irlanda, alguns comerciantes locais puderam subir a bordo para oferecer as suas mercadorias, e em pouco tempo transformaram a coberta do transatlântico em um animado mercado.
John Jacob Astor desembolsou 800 dólares por um laço de seda que um vendedor expôs no convés. Nem sequer o capitão Smith se furtou à tentação. Finalmente estava na altura de partir. Para sete passageiros a viagem terminava ali, os Odell e o padre Francis Browne. Entre os sete uma oitava pessoa desceu clandestinamente para fora do Titanic, um fogueiro de nome John Coffey. A minha mãe escreveu à minha tia Gladys de Queenstown dizendo que «Tudo está bem até agora.» Uma expressão um pouco agoirenta. Finalmente a potente sereia lançou o silvo de aviso da partida eminente. A lotação total final era de 2208 pessoas a bordo, 1317 passageiros e 891 tripulantes. Às treze e trinta o Titanic levantou a âncora de estibordo, que o mantinha fundeado na baía, e iniciou a travessia do Atlântico, seguindo a famosa North Atlantic Run, uma das principais rotas marítimas do mundo.
A vista da coberta superior do Titanic era maravilhosa. Este era o reino do comandante e dos oficiais de coberta.
Quando decidem aumentar a velocidade, já no alto-mar, e empurrar aquele colosso toda a força e centenas de fogueiros atiram carvão para as fornalhas e vemos subir e descer as enormes bielas daqueles motores gigantescos, então compreendemos. Vemos a força interior do navio, vemos o seu poder. Thomas Andrews observa atentamente os engenheiros e maquinistas que iam ajustando e rodando as válvulas, na sala das caldeiras os fogueiros cantam uma canção de incentivo ao trabalho quente e pesado.
Nós os miúdos passavamos muito tempo nas salas das caldeiras do navio a ver os alimentadores de fornalha a trabalhar. Eles cantavam canções. Muitas vezes quando olhavamos para eles, eles batiam com as pás nas grades dos contentores de carvão ao ritmo da cantoria.
É então que vemos a satisfação dos oficiais que comandam o navio e a sensação de domínio sobre os outros elementos.
A impressionante fila de caldeiras instaladas no Titanic eram alimentadas por enormes bocas abertas em cada caldeira onde se deitava o carvão que devia proporcionar ao Titanic a sua energia.
Na tarde de 11 de Abril, a minha mãe e eu ficamos no convés de primeira-classe mais à popa do navio a ver a Irlanda a desaparecer. Foi então que reparamos que no cimo da quarta chaminé que servia de ventilação inteiror encontrava-se um fogueiro de rosto enegrecido pela fuligem, provocando sonoras gargalhadas nos passageiros.
Outros acreditaram ver a materialização de um ser infernal surgido das entranhas do navio e empenhado em recordar que por detrás de todo aquele luxo e aquela segurança se escondiam forças obscuras e ameaçadoras. Qualquer que tenha sido o motivo dessa curiosa escalada até à boca da chaminé, o incidente alimentou os rumores sobre a singularidade do Titanic. Com o coração aos saltos gritei:
Richard - Mãe! Estamos finalmente no Atlântico!
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