A CAMAREIRA DO TITANICMais um grande filme do diretor espanhol Bigas Luna, A Camareira do Titanic, faz-nos deitar na cama, cuja serva é a imaginação. Mas, isso de imaginar, criar, inventar, improvisar, mentir, não é para qualquer um. Só os puros de coração – que são muitos – não se habilitam a “voar em pássaros”. Já os sujos, preguentos do ardor de não se ter a Presença desejada, os enlameados, enfim, é que ensaiam limpar os sapatos nas calças e, por vezes, (muitas, no filme), correr, correr, voar, saltar no meio de um grande ato, o seu próprio, inaugurando-se como Pessoa. Tudo isso, não por heroísmo, mas pela implacabilidade inevitável do compromisso consigo, talvez ainda com sua própria vocação por sofrer... Como é infernalmente bom imaginar, criar,...sonhar! É disso que nos “fala” o filme que, apesar de ser de um espanhol, é falado encantadoramente em francês. A atriz Aitana Sanchez (Maria, no filme), que serve de inspiração ao protagonista Martinez (Horty), arrebata-nos com a sensação de que as artes plásticas estavam realmente certas com sua busca obsessiva pela pose, o “instante privilegiado”, ensinando ao cinema que o que vale mesmo é a síntese do instante rápido de um acelerado obturador fotográfico. A pose que guardaria a essência da figura em exposição. É o que sentimos quando Maria sorri para Horty numa “câmera subjetiva” deste. Apressamo-nos e assumimos esse olhar. Apaixonamo-nos. E assim, já adentramos o mundo criado por Horty, magistralmente criado, diga-se com ênfase. O olhar lançado estatela-se em nossa retina, numa explosão semântica pluralmente aberta, movediça, fazendo-nos experimentar a paz por alguns instantes em que ao mesmo tempo, experimentamos o terror de um caldeirão borbulhante, quando desviamos o olhar e ela não está mais ali. Em seu lugar, outras seqüências do filme... Responsável por esse passeio imaginário e encantador é, sem dúvida, a melodiosa e sedutora voz de Horty. Agora, pois, danou-se, temos duas fantásticas arquiteturas da sensualidade: Maria...e Horty. Criatura e criador. Um filme evidentemente feito sob o ponto de vista masculino (Lunas é homem). Nesse sentido, ele – Horty (ou Lunas) – encanta pelo que descreve, pelo que aponta, pelo que indica. E como aponta, como indica, principalmente. Ela – Maria -, por sua vez, é o seu mundo criado, imaginado, inventado (e não pense que esses termos são sinônimos, pois não são) que conhecemos, mas que nem sabemos se o queremos, mesmo que seja real. Assim, parece mesmo estar bem.
Bem, vou parando com minhas impressões, por aqui. Quem quiser saber mais do filme não deve hesitar em visitar a sala do Cine Praia Grande para se deleitar com os serviços de uma sedutora camareira. Ou, quem sabe, com os serviços de um sedutor... Bem, não importa um complemento objetivo. Use-se a imaginação.
Por: Frederico Machado em 1º de dezembro de 2005