PARTE IV
Depois que o trio finalizou a sua apresentação de rotina, os ricos senhores de primeira-classe ainda se demoraram no restaurante e no café. Hugh Woolner recorda-se de se ter sentado com cerca de seis companheiros, bebendo Hot Whisky e água. "Repentinamente ficou muito frio na Sala de Recepção e no Restaurante à La Carte e as mulheres dirigiram-se para as suas salas. Então nós homens fomos para a Sala de Fumadores exactamente no piso de cima onde tinhamos estado antes. Apenas poucos minutos se passaram quando sentimos um pesado rangido, como um tipo de choque vindo de um ponto longínquo do lado da frente, na proa, e rapidamente passou ao longo do navio abaixo dos nossos pés. Todos se levantaram e correram para a porta giratória à ré. Um homem à minha frente viu um iceberg que se elevava 50 pés acima do convés, que estava a 100 pés acima do mar, e que desapareceu à ré".
Às 23:45 de domingo, 14 de Abril, uma quietude súbita preencheu cada cabine do grande vapor. Foi o silêncio das máquinas que tinham parado. Violet Jessop, que se tinha retirado para dormir, vestiu-se novamente e fez o seu caminho ao longo do corredor. “Quando saí, deparei-me com Jock (o líder da banda do trio de cordas) e a sua banda com os seus instrumentos. ‘Engraçado, eles devem ir tocar’, pensei eu, ‘e a estas horas!’ Jock sorriu ao passar, parecendo bastante pálido, comentou, ‘Vamos apenas dar-lhes uma canção para animar as coisas um pouco’, e se distanciou".
Tem-se dito que a banda começou a tocar às 00:15 na Grande Escadaria Dianteira, com a crença de que todos os oito membros começaram a tocar no mesmo lugar ao mesmo tempo. James Cameron por sua vez, colocou-os no Lounge. Mas as evidências sugerem agora que foi o trio que começou a tocar mais cedo, com os passageiros de primeira classe também reunidos noutro local. O Coronel Archibald Gracie, no Convés A, ouviu muito bem a música.
"Fui para a sala de fumadores, e, como de costume, vi lá sentados ao redor da mesa quatro bons amigos ... Foi nessa altura que também ouvi a banda tocar com o evidente propósito de incutir coragem e parar a confusão."
Jack Thayer por sua vez relembrou que as pessoas estavam inquietas, deambulando para dentro e fora do saguão da Grande Escadaria dianteira, não dando muita atenção para a música. Ela se infiltrava pelas escadas abaixo e para fora nos conveses externos.
Estes outros cinco músicos estavam vestidos com os seus uniformes normais com lapelas verdes, dando a impressão de que tudo estava normal. Apenas para a sua apresentação as luzes estavam todas acesas e havia apenas a noite negra cheia de estrelas além do domo de vidro ornamental, acima da escadaria.
Havia uma porta no topo da Grande Escadaria dianteira que acessava a parte dianteira do navio, onde os oficiais trabalhavam. Apenas uma curva adiante neste corredor estava a Sala de Telégrafo, onde os operadores estavam a enviar os sinais de socorro CQD e SOS. Desde as 23:55 Harold Bride, operador assistente, ouvia a música da banda “... primeiro enquanto trabalhávamos no telégrafo, quando havia um ragtime para nós...”.
A maioria dos passageiros reflectia o estado do navio, calmo na superfície, mas com um profundo turbilhão agitando-o por dentro. A banda tocava Alexander’s ragtime enquanto Lily May Futrelle em pé discutia a situação com o seu marido e outros passageiros da Primeira Classe. De repente um grupo de carvoeiros de caras enegrecidas surgiu repentinamente pelas escadas das profundezas dos porões. “Num instante nós entendemos que a situação era desesperante, que os compartimentos teriam falhado ao evitar a invasão da água."
A ordem foi dada para que as mulheres e as crianças fossem para o Convés de Passeio, o Convés A. Quando o Segundo Oficial Lightoller enchia o bote salva-vidas nº 6 a bombordo ele “... podia ouvir a banda tocar um tipo alegre de música. Eu não gosto de jazz, a princípio, mas fiquei grato de ouvi-la naquela noite. Acredito que aquilo ajudou-nos a todos.” A americana Margareth "Molly" Brown estava no bote 6. Quando o bote foi descido ela estava “... atenta aos acordes musicais que flutuavam no ar da noite...”.
Pela 1:45 os músicos colocaram os seus coletes salva-vidas e continuaram a tocar. Enquanto isso, a cena se desenrolava como num sonho. As mulheres e crianças foram separadas dos homens, os botes eram enchidos, baixados, muitos com espaços vagos. E a banda mantinha-se a tocar. Tocaram além do ponto de esperança por sobrevivência. William Sloper relembrou, “Algumas das pessoas resgatadas que foram as últimas a deixar o navio disseram-me que quando elas partiram a banda encontrava-se a tocar... e que foi um acto heróico, mas medonho ao ouvi-los.”
Archibald Gracie, no seu livro "A Verdade sobre o Titanic" de 1913 revela ainda:
"O Sr. e a Sra. Strauss, o Coronel e a Sra. Astor e outros meus bem conhecidos estavam entre aqueles ali reunidos no lado de bombordo do Deck A .... Foi então que a banda começou a tocar, e continuou, enquanto os botes estavam sendo descidos. Consideramos esta uma acção sábia que tende a acalmar a excitação. Eu não conhecia nenhuma das músicas, mas sei que eram alegres e não eram hinos."
Kate Gold e Annie Martin, duas camareiras também mencionaram os homens que tocavam as suas músicas numa outra área, no convés mais alto de primeira-classe junto à popa do navio. O facto destas duas senhoras terem embarcado no bote salva-vidas nº11 sugere que a sua experiência fora passada perto de onde o trio desempenhava as suas funções, que tocavam um nível mais abaixo no Deck A. Elas relataram a sua experiência aos jornais da época:
Kate Gold, Western Daily Mercury, 30 de abril de 1912
"No convés... a banda tocava música ragtime. Com a tripulação saindo nos botes, era um facto digno de nota o quanto estes homens estavam tão interessados e envolvidos no seu dever. Eram esses músicos elegantes, que não iriam parar de tocar sequer para colocar os coletes salva-vidas que foram trazidas para eles."
Annie Martin, camareira, Liverpool Daily Post de 1912
"Eles estavam a tocar. Quando saímos ao lado do navio [no bote salva-vidas nº 11 às 1:25] os homens estavam sentados na escada do convés mais à frente do navio com coletes salva-vidas ao seu lado. Eles não estavam a fazer nenhuma idéia de colocar os coletes. Muitos deles estavam a fumar. Outros iam batendo os pés ao ritmo da música."
Kate Gold, camareira, Liverpool Daily Post de 1912
"Quando nós deixamos os homens no navio, estavam sentados no convés, fumavam cigarros e ao mesmo tempo batiam com os pés ao ritmo da música da banda. Esses passageiros e os homens da banda, também tinham os seus coletes ao seu lado, e eu estava especialmente impressionada com o vislumbre de um violinista que tocava constantemente, com um grande salva-vidas na frente dele. A música era ragtime naquele momento."
É importante não levar à letra alguns detalhes nesses relatos, que foram interpretados e escritos por jornalistas, e podem ter sido alterados inadvertidamente por eles. Note-se que "no convés" passa uma imagem da banda que toca cá fora. É possível que uma das camareiras tenha falado que os homens da banda tocavam no convés (uma forma comum para se referir a qualquer nível do navio dentro ou fora dele), e que o repórter tenha assumido o convés exterior. A versão que especificou que "Quando saímos ao lado do navio os homens estavam sentados na escada do convés mais à frente do navio..." coloca-os dentro do navio, no convés A, já o bote descia.
Embora ainda diga: "sentados na escada do convés mais à frente do navio...", que parece apontar directamente para um local de desempenho na parte da frente do navio, tudo o mais que se sabe sobre Gold e Martin e as suas experiências é que estas aconteceram mais à popa: a presença de homens fumadores coloca-as perto da sala de fumadores no convés A, bem como os seus lugares no barco salva-vidas nº 11, que foi descido na área de Segunda Classe na parte do navio mais à popa a estibordo.
Outra dica para saber se os músicos tocaram ou não separadamente vem da menção do número de homens na banda. O relato de Washington Dodge passageiro de primeira-classe, que tinha visto o quinteto actuar nessa noite de domingo na Recepção de Primeira Classe, refere que ele viu a mesma banda tocar após a colisão.
Washington Dodge, a perda do Titanic de 1912
"Após a colisão a banda que tinha tocado no início da noite o habitual concerto de domingo à noite, continuou a tocar. Eles tocaram ragtime e outras músicas animadas. Mas alguns momentos antes do navio afundar, quando o perigo era evidente para todos, eles estavam a tocar "Lead Kindly Light". Havia cinco músicos, todos morreram. "
O relato de Dodge é interessante porque ele identifica o número de membros da banda, o que sugere o quinteto que tocava isolado dos restantes. Através das suas palavras denota-se que prestou atenção à constituição da banda naquele momento, porque foi capaz de dizer que era a mesma banda de cinco membros que tinha tocado anteriormente. Apesar disso, ele saiu no barco 13, situado mais à popa, eram 1:25. Sendo assim, ele não teria ouvido o quinteto no último momento para poder dizer com clareza suficiente a partir do barco salva-vidas o hino que ele mencionou, mas poderia tê-los visto a partir dele.
Conclui-se assim que o quinteto estaria no convés dos botes junto da entrada da Grande Escadaria no lado bombordo, e o trio no convés A mais à popa junto da Sala de Fumadores.
Na próxima semana a última parte e o fim dos oito músicos.