domingo, julho 08, 2012

AS CRIANÇAS DO TITANIC

 COM QUE BRINCAVAM AS CRIANÇAS NO TITANIC? 
Esta é uma questão que há muito tempo tenho em mente: que atividades de lazer as crianças a bordo do Titanic poderiam exercer? Provavelmente faziam as mesmas coisas que os seus pais faziam a bordo, como uma forma de se integrarem na sociedade da qual um dia tomariam partido, pois praticamente tudo estava voltado para o mundo dos adultos no Titanic. Das 127 crianças a bordo do Titanic compreendidas entre os 2 meses de vida e os 14 anos de idade, apenas se salvaram 63, pouco menos de metade... Mas as crianças nem sempre estiveram esquecidas nesta viagem. Desde bonecas de porcelana, a ursos de peluche, a bonecas de pano nas classes mais pobres e bolas simples, as crianças de primeira, segunda e terceira classe como imaginativas que as crianças são, não deixaram de se divertir com aquilo que lhes era permitido. É certo que comer, tomar banho e prepararem-se para dormir a sesta tomaria boa parte do tempo das crianças naquele tempo, mas existem vários registos em todas as classes do que os mais novos a bordo faziam. 
Douglas e o seu peão
Em 11 de Abril de 1912 o Padre Browne fotografou o pequeno Robert Douglas Spedden, de cinco anos, jogando no convés enquanto lançava o seu pequeno peão (cena reproduzida também no filme de James Cameron). Spedden tinha também outros divertimentos, tinha consigo um pequeno urso de pelúcia a quem chamou Polar, seu amigo inseparável (saiba mais aqui), e para se divertir, Douglas Spedden ficava no cimo da entrada para a grande escadaria, e simplesmente largava o seu pequeno urso pelo fosso das escadas, vendo-o cair os cinco conveses abaixo até ao deque E, depois descia rapidamente os cinco andares para ir buscar o seu urso, voltava a subir até ao convés A e repetia a façanha de novo!  
O urso Polar aos pés de Douglas

O pequeno Washington Dodge Jr, de 4 anos, contou nos seus relatos que passava os dias a brincar com berlindes (bolinha de gude) de argila no camarote dos seus pais (leia mais aqui), este seu brinquedo já foi resgatado das profundezas dos destroços. Além destas atividades, o Verandah Cafe de estibordo do Titanic foi transformado numa sala de brinquedos, onde crianças como o pequeno Douglas Spedden, Trevor e Lorraine Allison brincavam com outras durante o dia. Por lá poderiam fazer pinturas, brincar com argila e fazer bonecos, ou simplesmente para as meninas brincarem com as suas bonecas, como se recordava o padre Browne. 
O ginásio a cargo do instrutor T.W. McCawley, que gostava particularmente de crianças, estava reservado para os mais novos todos os dias entre as 13h00 e as 15h00 para se divertirem no cavalo e camelo mecânicos, nas bicicletas ou no equipamento de remo. E no convés dos botes poderiam divertir-se com o jogo de argolas ou o shuffleboard, jogar bowling, futebol entre outros. Tinham também o desfile dos cães dos passageiros ricos todos os dias de manhã e à noite, ou então assistir a um concerto dado pela banda no grande salão, ou com a supervisão dos pais se divertirem na piscina ou na sala de squash. 
Annie e o seu pai
Pela segunda-classe, a Sra Selina Rogers recordava-se de algumas crianças jogarem um jogo chamado "corrida de cavalos" no convés. Annie Jessie Harper de seis anos, mais conhecida por "Nina", preferia passear com o seu pai o Rev. John Harper pelo convés. Nina viajava com seu pai e sua tia solteira Jessie Wills Leitch (saiba mais aqui). Certa vez, Nina conheceu a pequena passageira de sete anos de idade, Eva Hart, que viajava com os seus pais. Eva tinha um urso de peluche e uma boneca que tinha ganho de presente no Natal anterior e que nunca mais largara. Nina apaixonou-se logo pelo urso de Eva, e logo as duas fizeram amizade, e Eva Hart perante a insistência do seu pai, emprestou-lhe o seu urso de peluche querido. O urso chegou mesmo a ser visto pelo capitão Smith que comentou com o pai de Eva ser um urso muito bonito. Eva recordava-se também de como era divertido ver os cães dos passageiros que eram levados a passear pelo convés dos botes e de como se apaixonou pelo premiado buldogue francês do passageiro de primeira-classe Robert Daniels, chamado Gamin de Pycombe com quem fez uma grande amizade. 
Eva Hart e a sua boneca
No Domingo, 14 de Abril, foi celebrado um serviço religioso anglicano na sala de jantar de 2ª classe, liderado por Reginald Barker, o segundo comissário. Eva ficou encantada por se poder juntar ao comissário e cantar com ele um dos seus hinos religiosos favoritos, O God Our Help in Ages Past, e recordava-se que naquele momento entregou-se de todo o coração.
Eva Hart num depoimento que proferiu mais tarde disse que, apesar de se divertir muito numa sala com as outras crianças, achava estranho o fato da sua mãe dormir de dia e ficar acordada a noite toda durante a viagem, devido a um mau pressentimento que tinha com o navio e de ter que ficar com o seu pai todo o dia. Recordou também como ficou sem o urso quando o naufrágio aconteceu e que nunca mais teve um urso porque também jamais quis ter outro igual. Durante toda a sua vida, Eva teve uma especial afeição por buldogues franceses e conservou a amizade com Nina Harper (conheça mais sobre Eva Hart aqui).
Também para os mais ousados era possível patinar ou então passarem uma tarde na biblioteca a ler. Ruth Becker, de 12 anos, recordava-se pouco depois de partirem, de estar a empurrar o seu irmão de meses no carrinho de bebé disponibilizado pela White Star Line, de espreitar por uma janela que dava para o salão de jantar e de ver as toalhas, os talheres de prata e de ficar encantada com o brilho que causavam por serem novos e por estrear. Lawrence Beesley, professor, recordava-se de jogar de lançar o disco (jogo da malha) e de perguntar a um rapaz de 13 anos que o observava se este queria jogar consigo, mas o jovem negou-se porque era um dos 3 pagens da tripulação, menores de idade e ele cuidava do elevador da segunda-classe não se podendo divertir com as outras crianças. 
A White Star Line permitia a pequenos grupos de segunda-classe visitarem as instalações da primeira-classe e usarem o ginásio e a barbearia que também era loja de souvenirs.
Marshall Drew
O pequeno Marshall Drew, de oito anos, era orfão de mãe e o pai o deixou aos cuidados do tio. Marshall e os tios, junto com Lawrence Beesley foram dos autorizados a subirem à primeira-classe. Na barbearia do Titanic, o tio de Marshall comprou-lhe uma fita com a inscrição RMS TITANIC, como as que os marinheiros usavam no seu chapéu de uniforme. O maior divertimento de Marshall era desenhar, quando percebeu que não tinha lápis disponíveis na sua viagem de regresso a Nova Iorque com os tios, sentou-se sobre o tapete do seu camarote e com um alfinete, fez pequenos buracos em um pedaço de papel e nesse picotado fez um pequeno Titanic. 
Louise e Simone
À semelhança de Ruth Becker, a pequena haitiana Simone Laroche de 3 anos, também se divertida a empurrar a sua mais nova irmã, Louise, no carrinho de bebé alugado ao Comissário de Bordo no Titanic. A mãe de Simone, Juliette, recordava-se de uma situação muito engraçada, certa vez no convés, emprestou a boneca da sua filha a uma menina inglesa, com quem Simone, que apenas falava francês, logo fez amizade. Simone estava muito contente com a sua amiga nova, e teve uma grande conversa a tarde toda com a pequena passageira inglesa, o que Simone não sabia é que a menina só entendia inglês... (para conhecer a família Laroche clique aqui). 
Michel "Lolo" e Edmond "Momon" Navratil, de quatro e dois anos, viajavam com o seu pai em segunda-classe sobre o nome falso Hoffman, porque os tinha raptado à mãe que ainda amava bastante. Os pequenos eram muito comentados e queridos entre os passageiros de segunda-classe, mas o pai pouco deixava que se aproximassem, e nunca os perdia de vista. Quando lhe perguntavam pela mãe das crianças, ele respondia que a senhora Hoffman tinha falecido. Michel recorda-se de certo dia ter ido comer com o pai ao grande salão de refeições de segunda-classe e de como se sentiu bem ali rodeado de muito conforto. O pai das crianças apenas os deixou uma única vez e por poucas horas, aos cuidados de uma passageira, Bertha Lehmann, uma menina suíça que só falava francês mas nenhum inglês, para que pudesse descansar (conheça mais aqui). 
Na terceira classe, o divertimento era diferente, no filme Titanic de Cameron, numa cena excluída, vemos alguns miúdos correndo atrás de um rato, mas a maioria dos rapazes brincava na popa do navio com uma pequena bola, ou corriam atrás de uns dos outros, ou simplesmente exploravam o navio. Como já aqui mencionado, os pais podiam alugar carrinhos de bebé junto do comissário de bordo para poderem passear com os filhos. Milvina Dean, contou que a mãe lhe falava que passava as tardes com ela e o irmão de dois anos, a ouvir a banda irlandesa que tocava no salão da terceira-classe.
Frank e sua mãe
O jovem Frank Goldsmith de 9 anos, lembrava-se de se balançar nas gruas enormes das bagagens e ficar com as mãos cobertas de graxa oleosa. Ele e um grupo de amigos que ele conheceu a bordo subiam e desciam as escadas do navio explorando cada parte do Titanic que estivesse aberta às crianças de terceira classe.  Chegaram a entrar na sala das caldeiras para verem os homens das fornalhas a colocarem o carvão nas caldeiras e a cantarem em conjunto batendo com as pás ao ritmo da cantoria. Na tarde de 11 de Abril ficou com a mãe na popa do Titanic a ver a Irlanda a desaparecer, e gritou cheio de alegria: "Mãe! Estamos finalmente no Atlântico!" (leia o relato aqui)
Durante o naufrágio a maior parte das crianças sobreviventes dormiam, foram acordadas e embarcadas nos botes e voltaram a adormecer, como Douglas Spedden embalados ao som de fundo da banda que tocava peças como Estudiantina Waltz e Oh You Beautiful Doll, mas outros como Ruth Becker, Marjorie Collyer e Eva Hart estavam bem dispertos e assistiram ao naufrágio horrorizados.
O porquinho e Edith
A passageira Bessie Watt, para distrair a filha Bertha de 12 anos do horror da tragédia imaginou com ela um passeio de barco a remos no Loch Ness. A mãe de Frank Goldsmith escondeu a cabeça do filho nos seus braços sobre o seu peito para que este não visse as pessoas que se debatiam na água gritando por ajuda. Outros passageiros ofereceram biscoitos às crianças, ou distraiam-nas com o céu estrelado naquela noite cheio de estrelas cadentes. A passageira Edith Russel fazia-se acompanhar de um porquinho que, rodando a sua cauda, tocava o Maxixe, e isto divertiu as crianças do seu bote, entre elas, Frank Philip Aks, Trevor Allison, Marion Louise Becker, Richard F. Becker, Annie Jessie Harper, Winifred Vera Quick e Phyllis May Quick, ao contrários dos adultos que não suportavam mais ouvir a música.
William Richards
Quando chegaram ao Carpathia as crianças foram içadas para bordo em sacos de lona por cordas e guindastes, e foram rodeados de todos os confortos, aquecidos em mantas e cobertores. William Rowe Richards de 3 anos, foi fotografado vestido com uma bata feita a partir de uma cobertura do Carpathia para se manter quente. 
Tarefa difícil terá sido a de muitas mães explicarem aos seus filhos que o pai não iria voltar, que a sua boneca ou brinquedo preferido foi para o fundo com o Titanic, que o navio deixara de existir. Douglas Spedden julgava ter perdido o seu urso Polar, que se esquecera no bote, mas um marinheiro simpático acabou por o encontrar e o acabou por devolver. Frank Goldsmith recordava-se de olhar pela vigia do Carpathia e de ficar assustado porque pensou ter visto em vez do cais de Nova Iorque, novamente um icebergue passando por eles.  
Marjorie e Eleanor
Marjorie Collyer de 8 anos, ao colocar pé em terra foi entrevistada e contou de como se sentiu triste por ver a sua boneca preferida, que tinha sido oferecida no Natal de 2010 deslizar no convés para a água e com tanta gente à sua volta ninguém sequer ter ajudado a sua companheira inseparável. Tal entrevista, sem saber ainda que o pai tinha falecido, comoveu os americanos que lhe ofereceram uma nova boneca a quem deu o nome de Eleanor. Em 1985, Robert Ballard numa da suas expedições deparou-se com a face de uma boneca de porcelana, esta face da boneca pode ser vista no filme de Cameron, dando asas à nossa imaginação para nos questionarmos a quem pertenceria (leia aqui). Um outro brinquedo foi encontrado no Titanic: um pequeno avião feito de madeira balsa, preso com elásticos, com uma hélice que girava. O avião de brinquedo foi encontrado ainda dentro da sua caixa, aparentemente, nunca foi usado... talvez fosse um presente para uma criança que nunca o soube. Hoje os destroços do Titanic a quase quatro mil metros de profundidade, insistem em lembrar que também as crianças merecem uma homenagem pela inocência que só elas sabem ter.
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